Regulatory Sandbox: Reino Unido, EUA e Brasil

Compartilhe:

Share on twitter
Share on facebook
Share on linkedin
Share on whatsapp

Regulatory sandbox é um espaço reservado pelas autoridades reguladoras no qual empresas podem testar novos produtos, serviços e modelos de negócios sem o risco de receberem as punições legais que normalmente se aplicariam a esse tipo de atividade em caso de falha. Suas finalidades são estimular a inovação tecnológica, incrementar a concorrência bancária e beneficiar o consumidor com produtos e serviços financeiros melhores e mais baratos. O nome viria da analogia com as caixas de areia em que as crianças podem brincar de modo isolado e relativamente seguro.

Sandbox é um ambiente que permite que instituições financeiras já consolidadas ou ainda em gestação – entre elas fintechs – possam testar produtos e serviços inovadores sobre os quais ainda não se tem certeza quanto à eficiência/adequação ou quanto aos riscos de sua utilização. Simultaneamente, a autoridade reguladora acompanha de perto e avalia pari passu todo o processo de desenvolvimento das inovações, colhendo uma experiência valiosa que lhe permitirá encontrar a melhor forma de regulamentar a atividade em questão.

A regulação das novas dinâmicas pode ocorrer em dois cenários: (a) ambientes de completa ausência regulatória, em que ainda não há marcos legais nem tão pouco estruturas estatais instituídas para tratar dos fenômenos (ex: UBER); e (b) ambientes previamente regulados, mas que não foram preparados adequadamente para receberem novas dinâmicas criadas a partir do uso de novas tecnologias (ex: Fintechs). É no âmbito desse segundo cenário que o uso do instituto da regulatory sandbox pode e deve ser utilizado.

O Reino Unido é pioneiro nesse tipo de iniciativa, a partir do Project Innovate da Financial Conduct Authority (FCA), órgão ligado ao Tesouro Real, que, desde pelo menos o começo de 2016, vem realizando testes no ambiente sandbox. As metas alegadamente perseguidas pela FCA são: (a) remover barreiras legais desnecessárias que desestimulam a inovação disruptiva, pois a incerteza regulatória afeta desproporcionalmente mais os iniciantes (aumenta custos em 8%, tempo para entrada no mercado em 30% e reduz o valor de avaliação dessas empresas em até 15%); (b) fomentar a competição, pois a incerteza regulatória faz com que muitas inovações sejam abandonadas logo no início, sem sequer ser testadas; e (c) beneficiar os consumidores, pois salvaguardas apropriadas são construídas mesmo antes da entrada da inovação no mercado massificado.

São cinco os requisitos avaliados pela FCA para admissão de uma empresa ao ambiente sandbox: (a) prestação de serviços financeiros; (b) inovação genuína; (c) benefício para o consumidor; (d) necessidade de testar; e (e) pesquisa prévia acerca da legislação e de como mitigar riscos.

O modelo de testes empregado pela FCA, na verdade, é casuístico, inexistindo um gabarito apriorístico. São as empresas interessadas que propõem o modelo de teste, definindo os níveis de revelação de informações, o grau de proteção contra riscos e a compensação apropriada para os consumidores em caso de danos. A FCA pode concordar ou não com a proposta, ou então impor novos padrões, sempre numa base caso a caso. Ou seja, o próprio modelo sandbox é uma experiência por si só.

Verifica-se da experiência britânica, portanto, que a opção pela sandbox não significa um atalho para a obtenção da autorização governamental e não implica qualquer redução da responsabilidade dessas novas empresas para com os consumidores. Trata-se apenas de gerar segurança jurídica no sentido de que tais empresas poderão testar seus produtos sem o risco de serem futuramente punidas pela autoridade financeira (o que não significa que consumidores eventualmente lesados não possam buscar o Judiciário em qualquer caso).

Em fevereiro de 2018, a FCA propôs uma minuta visando à criação de uma sandbox global em que empresas poderiam testar soluções além das fronteiras nacionais. Essa iniciativa atualmente conta ao todo com onze entidades reguladoras de nível nacional ou regional e recebeu o nome de Global Financial Innovation Network (GFIN).

Nos Estados Unidos, as iniciativas de regulatory sandbox têm sido conduzidas pelo Escritório de Inovação do US Consumer Financial Protection Bureau (CFPB), órgão que tem por objetivos identificar e substituir regras ultrapassadas e desnecessárias por regras mais efetivas que reforcem a aplicação da legislação consumerista-financeira e que estimulem os consumidores a tomarem o controle de suas vidas econômicas.

Em 30/08/2018, o CFPB publicou sua proposta de criação de uma Política de Encorajamento de Programas de Testes Abertos (“Policy to Encourage Trial Disclosure Programs”), a qual estará aberta para comentários e contribuições até 10/10/2018. A proposta prevê como apropriado um período de testes de dois anos para a maioria dos casos.

No Brasil, o modelo de regulação sandbox se encontra ainda em estágio embrionário. Em agosto de 2017, o Banco Central abriu uma audiência pública propondo uma forma de regulação que segue o modelo britânico da FCA (Financial Conduct Authority). Desde janeiro de 2018, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), que já possui o seu “Fintech Hub”, vem trabalhando com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o SEBRAE e a Associação Brasileira do Desenvolvimento (ABDE) na realização de estudos sobre a viabilidade de implantação de um projeto de sandbox regulatório nos mercados de capitais, de seguros e previdência no Brasil.

Entretanto, segundo a própria CVM, a regulatory sandbox não seria a panaceia que dela se espera, possuindo prós e contras. De acordo com o relatório CVM julho-dezembro/2017, a sandbox representa uma abordagem progressista, com potencial de fomento à inovação e de aproximação entre reguladores e regulados. No entanto, a falta de pessoal qualificado, de infraestrutura tecnológica e de apetite por inovação por parte dos reguladores, somada à falta de tempo e de recursos dos novos empreendedores para se dedicarem ao projeto, dificultam a viabilização de uma regulatory sandbox pelo menos na área de atuação da CVM. 

Ainda de acordo com o relatório CVM, não haveria real necessidade de um sandbox dadas as dispensas já contempladas nas Instruções CVM: “Empreendedores e projetos que pretendam desempenhar atividades regulamentadas pela CVM poderiam, portanto, formular pedidos justificados de dispensa à CVM para ajustar as regras postas à realidade das inovações de fintech, sem necessidade de alteração em Lei.”

De toda forma, ao todo são 40 empresas e entidades participantes do 4º Grupo de Trabalho do Laboratório de Inovação Financeira (LAB), que se reuniu pela primeira vez em 24 de janeiro de 2018. Trata-se de uma plataforma de articulação institucional da CVM, da Superintendência Nacional de Previdência Complementar (Previc) e da SUSEP que tem por escopo avaliar as necessidades do mercado brasileiro e dos seus diferentes setores.

Nota-se, portanto, que, mesmo nos países que vêm liderando as iniciativas, como Reino Unido ou Estados Unidos, a sandbox regulation é um fenômeno ainda bastante incipiente, muito embora deveras auspicioso.

Transações financeiras sempre dependeram de confiança. Dinheiro é o mecanismo de confiança mais universal e mais eficiente já criado pelo homem (Yuval Noah HARARI, “Sapiens: a brief history of human kind”). Isso quer dizer que, de forma geral, mercados não operam eficientemente a menos que consumidores, empresas e instituições financeiras confiem uns nos outros. Estabelecer um modelo legal claro de atribuição de direitos e responsabilidades é a forma mais eficaz de gerar confiança sistêmica no setor da inovação tecnológico-financeira.

O mais comum, porém, é que as leis sejam elaboradas apenas depois de escândalos públicos ou crises generalizadas. Como fica claro, esse tipo de abordagem legal reativa pode ser particularmente prejudicial no ambiente das fintechs, em que a questão da confiança é essencial para que as empresas continuem inovando e os consumidores continuem acreditando na segurança dessas inovações. A confiança, uma vez perdida, pode levar anos ou até décadas para ser restabelecida.

Assim, delinear uma estrutura regulatória que busque antecipar possíveis problemas advindos de produtos e serviços financeiros baseados em inovação tecnológica é talvez a melhor maneira de gerar confiança para empresas, consumidores e governos. Se o modelo de regulatory sandbox servirá a esse fim, somente o tempo dirá. 

*Guilherme Garde

Posts relacionados