Open Banking no Japão: lições para o Brasil?

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O Japão é um país em que ainda se guarda dinheiro embaixo do colchão, literalmente. Enfrentando taxas de juros e de inflação bem próximas de zero há décadas, o japonês não vê nenhuma vantagem em guardar seu dinheiro no banco. Preferem deixar em casa. Estima-se que 50% do meio circulante do Japão, na verdade, não circula: está parado dentro das casas das pessoas.

No Japão, quatro em cada cinco compras ainda são feitas em dinheiro (Fonte: Euromonitor Passport, UBS, 2017). O cartão de crédito é utilizado apenas para compras maiores. Muitas lojas locais, incluindo grandes redes de varejo, nem sequer aceitam cartão de crédito. O dinheiro “analógico” é tão presente na economia japonesa que quase um quinto do PIB do país (18,61%) está representado em notas de papel e moedas de metal. Comparativamente, no Brasil, apenas 3,44% do PIB está representado em dinheiro físico (Fonte: Rogoff, Harvard, 2017).

É difícil imaginar um mercado mais inóspito ou um público mais cético para o desenvolvimento dos meios de pagamento eletrônicos do que o japonês. Em verdade, não fosse a concorrência dos vizinhos chineses (WeChat e AliPay) e, principalmente, a proximidade dos Jogos Olímpicos de Tóquio em 2020, possivelmente o governo japonês não teria tomado a dianteira do processo de open banking no país. A demanda, portanto, veio de fora.

Em 01 de junho de 2018 entrou em vigor no Japão o Regulamento sobre Fornecedores de Serviços Intermediários de Pagamentos Eletrônicos, com o objetivo declarado de facilitar o fluxo de pagamentos mediante a integral digitalização dos serviços financeiros. Entre as medidas determinadas pelo governo japonês se encontram o licenciamento de todos os intermediários de pagamentos interessados junto à Agência de Serviços Financeiros do país, o estímulo ao uso do blockchain e ao desenvolvimento de APIs (Application Programming Interfaces) abertas e padronizadas. Até o fim de março deste ano de 2019, mais de quarenta instituições já haviam aderido ao novo sistema, número que surpreendeu até a própria autoridade financeira do Japão.

O recente Regulamento japonês é a culminação de uma série de medidas que vêm sendo tomadas pelo Ministério da Economia, Comércio e Indústria daquele país desde 2015, com o objetivo de conduzir o Japão às portas da Revolução Industrial 4.0. Hoje pode-se dizer que o Japão, de forma um tanto relutante, finalmente colocou um pé no grupo de países em que o open banking pode se tornar uma realidade.

Reino Unido e União Europeia são os membros fundadores desse grupo. Em outubro de 2015 o Parlamento da União Europeia aprovou a conhecida PSD2, diretriz que obriga os bancos que atuam no bloco a garantir a interoperabilidade dos meios de pagamento eletrônicos mediante a criação e adoção de APIs públicas e estandardizadas. Por sua vez, em agosto de 2016, a autoridade concorrencial britânica (CMA) também baixou uma regra exigindo que os nove maiores bancos do Reino Unido adotassem APIs padronizadas para compartilhamento de dados com startups licenciadas sobre transações bancárias de clientes.

Se por um lado o Estado japonês compreendeu que (a) o open banking tem o potencial de dinamizar o mercado de meios de pagamento de um país e, portanto, beneficiar a economia como um todo, mas que (b) para que o open banking possa se desenvolver de modo funcional é preciso criar uma moldura jurídica, por outro lado, o Banco Central do Brasil ainda parece ter muitas dúvidas quanto ao seu papel no processo de regulamentação do open banking em nossas terras.

Em que pesem aos entusiastas da “mão invisível” e àqueles que professam pela liberdade ampla e irrestrita, o quadro que se coloca no Brasil é aquele em que deve ocorrer um fortalecimento das empresas brasileiras, para que possam concorrer com os gigantes, principalmente, os asiáticos. O peso do regulador deve ser muito cuidadoso para que as barreiras regulatórias não coloquem assimetrias entre os pequenos e os grandes.

               Muitos mundos separam Brasil e Japão. Mas ambos os países atualmente enfrentam um problema comum: a exclusão financeira ou “desbancarização” de grande parte de suas populações. Segundo o Instituto Data Popular de São Paulo, em dados válidos para 2017, cerca de 40% dos brasileiros não possuem nenhum vínculo com instituições bancárias. Tanto brasileiros como japoneses, como visto, fogem dos bancos sempre que podem.

A falta de acesso de grande parte da população e a ausência de verdadeira competição no mercado de serviços de pagamentos eletrônicos dificultam, aqui e no Japão, o desenvolvimento eficiente da economia como um todo. Gera custos e ineficiências que terão de ser arcados pelo conjunto da sociedade, tanto a atual quanto a futura.

Diante desse cenário, a escolha da estratégia japonesa parece a de permitir ao máximo que as empresas tomem o espaço e impeçam o acesso externo dos grandes, já que no cenário atual, em que as regras de fronteiras estão próximas do zero, a criação de obstáculos burocráticos em excesso podem nos colocar na última fila do mundo. Vejam os ICOs. 

*Flávio Maldonado (Managing Partner do GR1D) e Guilherme Garde (Consultor Jurídico do GR1D)

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